sábado, 7 de abril de 2012

Desinformação.Voto nulo anula eleição?

O falso poder do voto nulo.
Tempo de eleição também é tempo de enganação. Em todos os sentidos.Mensagem que sempre circula às vésperas das eleições, desde 2004, faz apologia do voto nulo e contém inverdades. Ela tem origem desconhecida, ninguém se responsabiliza pelo seu conteúdo e sua disseminação se faz rapidamente nos meses que antecedem eleições.
Versão de 2004 mistura inconformismo com contestação, tubarão com galinha e propõe a candidatura de golfinho.
versão de 2006 segue linha semelhante.
O fato é que a urna eletrônica não possui a alternativa "Voto nulo". O voto é considerado nulo se o eleitor informar um número inválido. Mas o eleitor pode votar em branco: é só pressionar essa tecla.
Para anular o voto, o eleitor tem de digitar um número inválido e, depois que a máquina informar "
Número incorreto, corrija seu voto", ele deve confirmar o número incorreto, isto é, o voto nulo.
Era bem mais fácil tornar o voto nulo nos tempos em que se usavam cédulas. Bastava escrever uns palavrões, xingar a genitora de um ou de todos os candidatos, mandar os candidatos para um lugar impróprio ou próprio para todos eles e pronto: o voto era decretado nulo pelo juiz eleitoral.
A coisa ficou mais complicada com a chegada das urnas eletrônicas. Falta ao teclado delas, por exemplo, a opção "Vá à m&#d@" como sugeriu Millôr Fernandes. Esse é um dos males da tecnologia :(



Veja o teclado da urna eletrônica.
A diferença entre voto nulo e voto em branco não é muito significativa. Nenhum deles é capaz de anular eleição e sua distinção é uma filigrana jurídica.
Há quem afirme que o voto em branco legitima o sistema político-partidário enquanto que o voto nulo significa votar contra todos.
Trata-se de conceitos duvidosos.
Para ter sua validação confirmada, eles teriam de ser confrontados com o ponto de vista dos eleitores e saber de cada um deles se é isso mesmo: se ele votou em branco reconhecendo que isso legitima o sistema político-partidário, se houve outro motivo e qual o motivo de tal decisão.
A mesma coisa para os eleitores que fazem a opção pelo voto nulo.
A propósito: será que todos os eleitores sabem exatamente o que significa a expressão "legitimar o sistema político-partidário"? Quem construiu essa frase é capaz de explicar o seu significado de modo que todos os eleitores sejam capazes de entender e diferenciá-lo da alternativa "voto nulo"?
Como a grande maioria dos eleitores não considera esses detalhes jurídicos e uma parcela significativa deles é analfabeta essas exegeses (!) ficam restritas a pequenos círculos de ociosos especialistas.
A confusão é aumentada pelo noticiário e por conta de algumas explicações inexplicáveis, sendo que a do TSE é uma verdadeira pérola. Veja o que diz o saite do TSE em sua página de FAQ (
frequently asked questions ou perguntas mais frequentes, in english, of course :)


16. Se 50% dos votos forem brancos ou nulos, faz-se nova eleição?

O Código Eleitoral prevê que se mais da metade dos votos for de votos nulos, será convocada nova eleição ("Art. 224. Se a nulidade atingir a mais de metade dos votos do País nas eleições presidenciais, do Estado nas eleições federais e estaduais, ou do Município nas eleições municipais, julgar-se-ão prejudicadas as demais votações, e o Tribunal marcará dia para nova eleição dentro do prazo de 20 (vinte) a 40 (quarenta) dias”).

Os votos em branco, de forma diversa, não anulam o pleito, pois não são considerados como nulos para efeito do art. 224 do Código Eleitoral (Acórdão nº 7.543, de 03/05/1983).
(Essa pérola foi removida. Melhor assim. Não é sem motivo que Alice, uma de nossas colaboradoras, nos diz: "...na época desse debate com meus amigos, cheguei a escrever para o TSE em busca de mais informações. A resposta deles foi tão confusa que desisti de enviar para meus amigos")
O que se depreende dessa explicação meio torta é que se houver mais da metade de votos nulos haverá novas eleições. Também é o que diz a mensagem e isso não é verdade, pois ela mistura dois conceitos diferentes: VOTO NULO e NULIDADE DA VOTAÇÃO.
A mesma coisa aparece na página do TRE de São Paulo:



Voto branco e voto nulo
Os votos brancos e nulos são subtraídos de todos os cálculos para a totalização dos resultados. Desde a Lei 9.504/97, que vigorou a partir das eleições de 1998, que o voto branco não é considerado para o cálculo do quociente eleitoral.
A única diferença entre os votos brancos e nulos é que, segundo a legislação se houver mais de 50% de votos nulos a eleição será anulada.
Afinal de contas, qual a diferença entre VOTO NULO e NULIDADE DA VOTAÇÃO?Elementar, meu caro Watson. Uma coisa é o voto nulo, o voto atribuído a candidato inexistente. Outra coisa é a nulidade da votação, a nulidade da eleição ou a nulidade do processo eleitoral.
Votos nulos não anulam eleições. O que anula uma eleição é uma das ocorrências mencionadas nos artigos 220 a 222 da LEI Nº 4.737, de 15 de julho de 1965 que Institui o Código Eleitoral:



Capítulo VI
Das nulidades da votação
Art. 220. É nula a votação:
I - quando feita perante mesa não nomeada pelo juiz eleitoral, ou constituída com ofensa à letra da lei;
II - quando efetuada em folhas de votação falsas;
III - quando realizada em dia, hora, ou local diferentes do designado ou encerrada antes das 17 horas;
IV - quando preterida formalidade essencial do sigilo dos sufrágios.
V - quando a seção eleitoral tiver sido localizada com infração do disposto nos §§ 4º e 5º do art. 135. (Incluído pela Lei nº 4.961, de 4.5.1966)
Art. 221. É anulável a votação:
I - quando houver extravio de documento reputado essencial; (Inciso II renumerado pela Lei nº 4.961, de 4.5.1966)
II - quando for negado ou sofrer restrição o direito de fiscalizar, e o fato constar da ata ou de protesto interposto, por escrito, no momento: (Inciso III renumerado pela Lei nº 4.961, de 4.5.1966)
III - quando votar, sem as cautelas do Art. 147, § 2º. (Inciso IV renumerado pela Lei nº 4.961, de 4.5.1966)
a) eleitor excluído por sentença não cumprida por ocasião da remessa das folhas individuais de votação à mesa, desde que haja oportuna reclamação de partido;
b) eleitor de outra seção, salvo a hipótese do Art. 145;
c) alguém com falsa identidade em lugar do eleitor chamado.
Art. 222. É também anulável a votação, quando viciada de falsidade, fraude, coação, uso de meios de que trata o Art. 237, ou emprego de processo de propaganda ou captação de sufrágios vedado por lei."
Art. 224. Se a nulidade atingir a mais de metade dos votos do país nas eleições presidenciais, do Estado nas eleições federais e estaduais ou do município nas eleições municipais, julgar-se-ão prejudicadas as demais votações e o Tribunal do prazo de 20 (vinte) a 40 (quarenta) dias.
Esses artigos referem-se aos casos de votação anulável ou situações que provocam a nulidade do processo eleitoral e não a casos de voto nulo. A nulidade diz respeito a urnas, conjunto de urnas, seção eleitoral.
O voto nulo é decisão pessoal do eleitor. A
nulidade da votação é decisão do juízo eleitoral.
Portanto, uma eleição ou votação é anulável apenas nas circunstâncias descritas nos artigos 220, 221 e 222 da Lei Nº 4.737.
Veja agora o que diz a LEI Nº 9.504 de 30 de setembro de 1997:



Art. 2º Será considerado eleito o candidato a Presidente ou a Governador que obtiver a maioria absoluta de votos, não computados os em branco e os nulos.
§ 1º Se nenhum candidato alcançar maioria absoluta na primeira votação, far-se-á nova eleição no último domingo de outubro, concorrendo os dois candidatos mais votados, e considerando-se eleito o que obtiver a maioria dos votos válidos.
§ 2º Se, antes de realizado o segundo turno, ocorrer morte, desistência ou impedimento legal de candidato, convocar-se-á, dentre os remanescentes, o de maior votação.
§ 3º Se, na hipótese dos parágrafos anteriores, remanescer em segundo lugar mais de um candidato com a mesma votação, qualificar-se-á o mais idoso.
Art. 3º Será considerado eleito Prefeito o candidato que obtiver a maioria dos votos, não computados os em branco e os nulos.
§ 2º Nos Municípios com mais de duzentos mil eleitores, aplicar-se-ão as regras estabelecidas nos §§ 1º a 3º do artigo anterior ...
Mais uma vez fica bastante claro que votos brancos e votos nulos não servem para anular eleições. Em todos os casos de eleições majoritárias elegem-se os candidatos que obtiverem a maioria dos votos válidos "...não computados os em branco e os nulos."
É o que estabelece a legislação vigente.
Imagine uma situação inusitada: se 10 eleitores votarem para prefeito, se houver dois candidatos e se a eleição resultar em:

candidato A: 2 votos,
candidato B: 1 voto,
votos brancos e nulos: 7 votos será proclamado eleito o candidato A. Tudo de acordo com as leis vigentes do país.
Não existe a possibilidade mencionada na mensagem: Se nenhum dos candidatos conseguir maioria (mais de 50%) no último turno, as eleições têm que ser canceladas!
E mais: inexistem as possibilidades de
- trocar os candidatos, pois eles se tornariam inelegíveis, e
- a realização de novas eleições.
Veja o que o TSE diz ser voto nulo e o que ele considera voto em branco.
O que ocorre nisso tudo é a interpretação isolada do Art. 224 da LEI Nº 4.737. Esse artigo deve ser interpretado em conjunto com os artigos 220, 221 e 222 pertencentes ao capítulo que trata das nulidades da votação e não isoladamente como faz o próprio TSE em sua página com a 'explicação inexplicável' e que induz ao erro.
(Uma das versões da mensagem de 2006 menciona o Superior Tribunal Eleitoral quando na verdade o que existe é o Tribunal Superior Eleitoral - TSE conforme estabelece o Art. 118 da Constituição Federal.)
Se uma, duas ou várias das situações mencionadas nos artigos 220 a 223 da Lei 4.737 provocarem nulidade de uma votação para cargo majoritário e se essa nulidade for de tal monta que supere os 50% por cento dos votos, aí sim, o juízo eleitoral deverá convocar novas eleições.
Tentando buscar credibilidade, a mensagem manda o incauto internauta ligar
para OAB... Aproveite e ligue também para a Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo, O Globo, O Diário Catarinense, O Estado do Paraná, A Gazeta do Povo... e todas as revistas e jornais importantes desse país... pois todos eles confirmariam a suposta anulação. É improvável que algum deles dê respaldo a essa história.
Algumas notícias publicadas na imprensa contribuem para aumentar a confusão. Veja o que diz a página Terra - notícias datada de 05 de junho de 2006:

TSE impede que vereador assuma prefeitura no RJ
A decisão definia que o presidente da Câmara Municipal, vereador Mauro Modesto Britto (PFL), ocuparia o cargo de prefeito, interinamente, até que o juiz eleitoral determinasse a realização de novas eleições, uma vez que a soma dos votos nulos com os 42,02% de sufrágios dados ao prefeito afastado (agora também anulados) é maior que 50%, conforme determina o artigo 224 do Código Eleitoral.

Terra Notícias outra vez:
Terça, 23 de novembro de 2004, 10h02
Votos nulos obrigam eleição domingo em 4 cidades
O procedimento é necessário porque o número de votos nulos no primeiro turno da eleição municipal, realizada no dia 3 de outubro, superou em mais de 50% o número de votos válidos, depois de julgados...
[...]
Vários candidatos eleitos que tiveram seus votos computados como nulos (por estarem com seus registros de candidatura indeferidos) continuam aguardando a decisão da Justiça Eleitoral.

Como os registros das candidaturas não haviam sido deferidos, as eleições foram anuladas.
E o Guia Mauá:

    Eleições 2004
    BOCAINA DE MINAS VOLTARÁ AS URNAS
    Com mais de 50% dos votos anulados, a cidade de Bocaina de Minas ... terá de voltar às urnas para escolher seu novo prefeito.
    Os 1765 votos dados a Dito Augusto (PDT) foram considerados nulos, já que sua candidatura foi questionada no TRE-MG.
    No caso de Bocaina fica bem claro que a anulação ocorreu em virtude de o candidato mais votado ter a candidatura questionada pelo TRE-MG e não porque mais de 50% dos eleitores optaram pelo voto nulo.
    Alguns aspectos ou intenções da mensagem são interessantes, pois não há dúvida de que é preciso alijar da cena política brasileira mensaleiros, marotos e marotinhos de plantão. Uma das alternativas apresentada para mudar o quadro seria não votar em branco nem anular o voto, mas votar nos "menos piores".
    O autor da mensagem, na verdade os autores, pois existem várias versões, não reconhecem a existência dos "menos piores": todos são farinha do mesmo saco, todos calçam 40 e coisas que tais.
    Existem políticos sérios, políticos honestos, políticos de idoneidade acima de suspeitas, mas a impressão que se tem é que a maioria deles se serve do cargo para proveito próprio e dos seus patrocinadores. Parece que apenas uma pequena parte deles usa o cargo para servir ao país.
    O episódio recente dos mensaleiros e o escândalo que resultou na renúncia de Severino Cavalcanti (PP-PE), então na presidência da Câmara dos Deputados e pertencente a um dos partidos supostamente mais envolvidos no caso do mensalão, contribuem para a desconfiança em todos os políticos brasileiros.
    Quanto a decisões e interpretações do TSE vale a pena conhecer as preocupações apresentadas no blog do Claudio Weber Abramo (08-06-2006):


O fim dos tempos
O recuo do Tribunal Superior Eleitoral na decisão da verticalização, noticiado hoje, marca talvez o ponto mais baixo de um período em que as decisões das cortes superiores se notabilizaram pela suspeição.
Pessoalmente, não sei se a decisão revertida (impedir que partidos que não participem de coligações nacionais se aliem à vontade nos estados) tinha a melhor sustentação jurídica. Mas sei que, se num dia um tribunal decide algo por 6 a 1 e no dia seguinte volta atrás por 7 a 0, algo de muito esquisito anda governando as considerações judicantes.
O Judiciário é onde os conflitos da sociedade se resolvem. Se esse poder age como barata-tonta, hoje decidindo algo para amanhã se desdizer, tudo isso eivado daquele linguajar intolerável dos "juristas" (advogado alfabetizado de verdade não fala daquele jeito), qual segurança alguém pode ter em qualquer decisão surgida daquelas cabeças?
...
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Veja também o artigo de Mailson da Nóbrega
TSE: a mensagem que deseduca: (Página não disponível em setembro de 2010.)

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) está deseducando o público na mensagem para orientar o eleitor na escolha do candidato a governador. “O governador é um dos mais importantes servidores do Estado. Ele escolhe a equipe de governo, define o rumo das políticas públicas, e decide como e onde gastar o dinheiro dos impostos”. As duas últimas afirmações são um completo equívoco, pois descrevem atribuições do Poder Legislativo.
E pra finalizar: a mensagem é mentirosa e induz o eleitor a erro.
É verdade que os corruptos, os mensaleiros, os partidos de aluguel devem ser afastados da cena política brasileira. Votar em branco ou anular o voto nada ajuda na realização das mudanças necessárias.
A propósito: você ainda se lembra em quem votou pra deputado federal, deputado estadual, senador e vereador? Nas próximas eleições, anote o nome de cada um deles, veja como eles se comportam ao longo do mandato, veja se eles se envolvem em maracutaias e se eles vão integrar a turma dos mensaleiros. Coisa que sempre existiu. Todos sabem disso.
Use a Internet para conversar com eles, mande mensagens e veja qual a atenção que deles recebe. Se ele não der atenção ao eleitor, ao cidadão que ele representa, qual a consideração que merece do eleitor?




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