Adília Belotti
Meu amigo de muitos anos-novos e estudioso apaixonado por folclore, Helio Moreira da Silva, envia um presente. Uma aula completinha para você saber o que está por trás dos rituais e tradições que trazem felicidade e sorte no ano-novo! Aproveite!
Mais um fim de um ciclo e início de outro. Um ano que alguém ousou fracionar em doze suaves prestações. Como se isso fosse possível. No último dia do ano é sempre cheio de promessas. Algumas levadas a sério, outras tantas esquecidas. Neste dia 31 não há quem não queira predizer ou adivinhar o imediato futuro, tendo como base a realidade atual. Com aquilo que conhecemos como sorte, essa força invencível a que se atribuem o rumo e os diversos acontecimentos da vida; do destino, do fado, da estrela que necessariamente tem de ser.
E os mais diversos rituais alimentam os nossos sonhos e dão vida às celebrações. Mas são tantos detalhes que a gente acaba se confundindo, sem saber direito para que serve cada um deles. Vale tudo para aproveitar a oportunidade de encher o coração de esperança e começar tudo de novo, mas para que a meia-noite não vire uma corrida de obstáculos é sempre bom saber um pouco mais sobre esses costumes.
As celebrações e as profecias do Ano-Novo estão entre as mais antigas e universalmente celebradas festas da humanidade. Para nós, tudo isso começa em 6 de dezembro e encerra no dia 6 de janeiro com as Festas de Reis, quando obrigatoriamente deve-se desmontar a Árvore de Natal, o presépio, as guirlandas e as luminárias, estas últimas recentemente incorporadas aos nossos festejos. É necessário lembrar que a pessoa –ou as pessoas–, que monta tanto a Árvore de Natal, o presépio e outros apetrechos deve fazê-lo por sete anos seguidos, como reza a tradição.
O por quê da data.
Em tempos idos comemorava-se o dia de nascimento do menino Deus em 5 ou 6 de janeiro, na Epifânia de Dionisos, como a data do seu aparecimento. Somente no século IV é que começaram as celebrações em 25 de dezembro, comemoradas com a antiga festa pagã do Sol, a qual passou a ser reinterpretada pelos cristãos, que até então tinham o costume de festejar apenas o aniversário da morte e da ressurreição de Cristo, devido à dificuldade em situar a data exata do seu nascimento. O Dia de Natal, por muito tempo, era determinado pelos estudos de Hipólito (nascido em Roma 170?–235, teólogo que defendia a doutrina e a disciplina da Igreja, depois foi um antipapa e por fim foi ordenado santo) gravados em estátua da biblioteca de São João de Latrão, em Roma, como sendo em 2 de janeiro, ou então, em 2 de abril de 5.532. Depois, o mesmo Hipólito, em comentário sobre Daniel (Aquele que é julgado por Deus, profeta do Antigo Testamento, sua via e profecia estão incluídas na Bíblia, no Livro de Daniel.) corrigiu, determinando que o nascimento do Menino Deus se desse em 25 de dezembro de 5.500, depois de Adão e Eva.
Para os cristãos orientais o nascimento de Jesus Cristo se deu em 5 ou 6 de janeiro, na Epifânia de Dionisos, isso por influência da antiga crença, devido às bodas Caná (pequena vila da Galileia, segundo Evangelho de São João, era o local de residência de Natanael) quando aconteceu o milagre da transformação da água em vinho e Jesus Cristo passou a ocupar o lugar de Dionisos. Ressalte-se que o milagre da água-e-vinho procede do culto do deus grego e, também, de outros deuses pagãos.
A essência da festa do Ano-Novo é sempre a renovação da vida, o que, em muitas culturas, inclui também a repetição simbólica do momento da criação do mundo. No Brasil, a festa -até os anos 30-, era restrita às residências. Foi a partir desta época que o umbandista Tancredo da Silva Pinto (Tata de Inkice –grau máximo na Umbanda–, escritor, músico e compositor, co-autor com Moreira da Silva, do estilo de samba-de-breque, nascido em 10/8/1905; falecido em 1/9/1979, no Município de Cantagalo, então Estado do Rio.) levou para o Rio de Janeiro o culto da divindade banto Kalunga, da Umbanda, Kimbanda e do Omolokô sincretizado em nosso país com as oferendas à Yemanjá (Orixá dos rios e águas doces; divindade do rio Ogun, em Abeokutá, Nigéria, África – não confundir com o orixá Ogun. Também, muito conhecida como Mãe dos Orixás, Mãe-D´Água e Rainha do Mar, esta devido à combinação da onomatopéia com morfema nominal ou verbal da língua portuguesa: Yemanjá = mar.) e essa com a divindade Olukun (de Ilé Ifé, Nigéria) ou Okunjimum, ambas do culto jeje-nagôs.
A festividade de Yemanjá, sendo uma das mais antigas, é cultuada em 2 de fevereiro, no Rio Vermelho, em Salvador, Bahia, e termina nas águas do mar com a entrega das oferendas. Foi esta obrigação religiosa que Tancredo levou para o Rio de Janeiro nos anos 30. A princípio na mesma data, mas logo a transferiu para 31 de dezembro, pois em fevereiro coincidiria, por vezes, com a proximidade do carnaval carioca. Além disso, os terreiros de Umbanda ficaram pequenos para acolher seus religiosos. Sem falar na dificuldade de conduzir às oferendas até o mar.
Inicialmente as festividades da Rainha do Mar no Rio de Janeiro foram realizadas na Praia de Ramos ou no Caju, porque na Glória ficaram proibidas pela Delegacia de Costumes, cuja primeira providência para acabar com os "macumbeiros" era prender os engomas (atabaques), com o devido registro policial (o conhecido BO) de insurgência à ordem.
Com a expansão de Copacabana aos poucos os umbandistas começaram a realizar os cultos à Yemanjá nas praias ainda desertas da Zona Sul. E pela necessidade geral de começar um ano melhor e ao mesmo tempo jogar nas águas profundas as mazelas do ano que terminava, os religiosos foram, ano a ano, aumentando a aceitação pelos cariocas que se deslocavam dos subúrbios para fazer suas homenagens à Mãe dos Orixás.
A festa cresceu tanto, que entre coisas, obrigou as empresas de ônibus a aumentarem o número de veículos para atender a demanda. A mídia logo acordou e entendeu o fenômeno social; com o Turismo a festa passou a ser uma data comemorativa, atraindo não só brasileiros de outros estados como também turistas do mundo inteiro. Hoje, a Festa de Yemanjá é transmitida para diversos países. Odoyá ou Odô-fé-iabá!
Hélio Moreira da Silva é jornalista, ex-diretor do Museu do Folclore Rossini Tavares de Lima, de São Paulo e da Associação Brasileira de Folclore, também é membro da Comissão de Folclore de São Paulo.
E seguem mais bons conselhos para atrair boas energias no ano que começa!
Fogos e barulho.
Em alguns países o Ano-Novo começa entre fogos de artifício, buzinadas, apitos e gritos de alegria. Ou seja, toda sorte de barulho para que ninguém passe dormindo. A tradição é antiqüíssima e, dizem, serve para espantar os maus espíritos.
Roupa nova.
Vestir uma peça de roupa que nunca tenha sido usada combina com o espírito de renovação do Ano-Novo. O costume é muito conhecido pelo mundo afora aparecendo em várias versões, como trocar os lençóis da cama, usar uma roupa de baixo nova ou romper o ano com o corpo limpo, isto é, de banho tomado. Banhos de sal grosso ou perfumados com sete ervas são variações dessa nossa necessidade de limpeza e purificação antes do novo ciclo começar.
A vigília da virada.
Ninguém deve dormir antes da meia-noite. Para os povos primitivos, os seres humanos precisavam ajudar o ano a romper permanecendo acordados e vigilantes. O hábito de deixar as luzes das casas acesas e as janelas abertas vem daí. Além disso, a tradição diz que quem conservar os olhos abertos até o Ano-Novo despontar verá o dia nascer no ano seguinte.
Boas saídas, boas entradas.
Cuidado, o que você fizer no Ano-Novo continuará a fazer o ano todo. O costume veio da Europa. Ovídio, um poeta que viveu no primeiro século da era cristã diz: “Convém ao dia bom, palavras boas”, referindo-se ao Ano-Novo. Assim, quem começar o ano viajando, viaja o ano inteiro, quem começa o ano chorando, vai chorar o ano inteiro. Daí dizer-se que é bom subir em uma cadeira, para dar impulso à vida, começar o ano com o pé direito, para atrair a sorte e comer doces na ceia, para garantir sabor e doçura o ano inteiro. E nada de roupas apertadas, para não passar apertos no futuro.
Cores.
Maria Eugenia Sahagoff reserva um capítulo inteiro do seu livro Feliz Ano-Novo para as cores. Segundo ela, todo nosso corpo é afetado pela cor e pela luz e elas realçam estados emocionais e psicológicos. Através das cores “chega-se às profundezas da alma das pessoas”. Por isso essa escolha deve ser feita com cuidado no Ano-Novo. A recomendação mais tradicional aqui no Brasil, lembrança de nossos ancestrais afro-brasileiros, é usar branco. Além de ser a cor de Yemanjá, a grande mãe e rainha do mar, o branco é o “símbolo da própria luz” e, como conseqüência, da sabedoria, da pureza e da verdade. A roupa branca – em qualquer gênero — é um símbolo utilizado em homenagem aos afro-descendentes, a qual lembra a importância das famosas baianas e os negros-de-ganho. O azul também é uma cor propícia para saudar o Ano-Novo. Porém, mais ligada ao consumismo. É a cor da paz, da tranqüilidade e das coisas espirituais. Outra alternativa para o final de ano é usar amarelo, a cor do sol, do ouro, um costume comercial que se confunde com a cor votiva do orixá Oxum, a divindade da riqueza, da fecundidade e da abundância.
Ceia.
Comer bem, entre amigos alegres, faz parte das comemorações de Ano-Novo. A fartura na mesa ajuda a trazer abundância e sucesso no ano que começa. Diz a crença que tanto o mais velho, como o mais novo em uma ceia devem receber a primeira porção do alimento. Mas alguns alimentos não podem faltar. O leitão e o porco são as carnes favoritas segundo Maria Eugenia Sahagoff, porque o animal fuça para frente, “impelindo a vida também para adiante”. As uvas também têm que estar presentes, avisa Helio Moreira e continua: “dependendo do lugar onde você estiver, o costume pedirá 3, 7 ou 12 bagos que serão comidos quando der a meia-noite no relógio. ”Não se esquecer de fazer os pedidos. Uvas e vinho, aliás, são os símbolos mais universais de congraçamento e alegria. Para os gregos, o vinho foi um presente de Dionísio — ou Baco, dos romanos — o deus das vinhas, dos delírios, da orgia e da inspiração. Não existe festa sem sua presença. Para nós, os espumantes fazem parte da passagem do Ano-Novo, o seu barulho – ao abrir a garrafa – é o sinal que novo tempo está por vir e com ele tudo de bom.
Romã.
No livro Feliz Ano-Novo, a romã aparece como um dos alimentos favoritos das festas de final de ano, devido à enorme quantidade de sementes, que simbolizariam fartura e prosperidade. A fruta também faz parte dos rituais do Ano-Novo não só dos judeus, que oram para que as bênçãos de Deus sejam tão numerosas quanto às sementes de romã. A romã é maçã dos antigos romanos e sempre fizeram parte da mesa em qualquer comemoração.
Grãos.
Tradicionalmente, lentilhas ou ervilhas são símbolos de morte e ressurreição. A semente, enterrada na terra, germina e se multiplica e, novamente, volta para a terra, para começar tudo de novo.
Dinheiro.
São muitas as simpatias para atrair dinheiro. Helio Moreira da Silva sugere uma que, pela antiguidade, deve ser eficiente. Colocar uma folha de louro embrulhadinha em uma nota de dinheiro, dentro da carteira. E guardá-la até o próximo reveillon. A nota antiga deve ser dada ao primeiro pobre que você encontrar. A folha velha você vai jogar na água corrente. Desde o tempo dos gregos e romanos o loureiro é a planta-símbolo da vitória, do sucesso e da imortalidade que a glória traz. Os grandes atletas romanos ganhavam coroas de louro, assim como os heróis e os grandes sábios. Era a planta de Apolo, o belo deus grego da sabedoria, inspirador dos oráculos e das profecias. Importante uso deste amuleto só diz respeito a quem o possui.
Primeiro dia do ano.
O dia primeiro do ano é dedicado à confraternização. É o dia da fraternidade universal. Helio avisa: “Como se deve fazer no Dia de São Nunca (1º de novembro) é hora de pagar as dívidas e devolver tudo que se pediu emprestado ao longo do ano. Esse é um costume europeu muito antigo, do tempo em que se emprestavam arados e foices e reflete a nossa necessidade de fazer um balanço da vida e de começar o ano com as contas acertadas, conosco e com os outros”.
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