Faz sucesso e tem recebido apreciações elogiosas no próprio meio espírita o livro Crianças Índigo, de Lee Carroll e Jan Tober, escritores americanos.
As crianças índigo, ou azuis, seriam, segundo os autores, uma geração de Espíritos enviados por Deus, com a missão de renovar as relações humanas, em novos padrões de comportamento, sob a égide do amor.
O nome índigo foi cunhado por Nancy Ann Tappe, que, aparentemente dotada de visão mediúnica, observava essas crianças envolvidas por uma aura azul.
Sua primeira experiência nesse sentido teria ocorrido na década de 70, no século passado.
Pesquisadores americanos, aderindo à idéia, identificam crianças índigo por um padrão de comportamento.
Aí é que a tese fica comprometida, porquanto alguns detalhes não são nada animadores nem lisonjeiros, contrariando noções relacionadas com o que se espera de alguém vinculado a um movimento de renovação da Humanidade.
1 – O tema é, realmente, interessante, já que o próprio Espiritismo nos fala de um processo de renovação da Humanidade, com a vinda de Espíritos mais evoluídos.
Por que você acha que essas chamadas crianças índigo não têm nada a ver com essa renovação?
É fácil. Basta observar algumas características dessas crianças, citadas no livro:
• Sentem-se e agem como nobres.
Essa postura está mais perto do orgulho do que da humildade que caracteriza os Espíritos que exercem verdadeira influência para o bem da Humanidade. Conscientes da própria pequenez, jamais se julgam mais importantes ou especiais diante do próximo.
Marcante em seu comportamento é a disposição de servir, como destaca Jesus (Marcos, 9:35):
... Se alguém quiser ser o primeiro, será o último e servo de todos.
• Tem dificuldade para lidar com autoridades absolutas (sem explicação ou possibilidade de questionamento).
A definição para essa maneira de ser é rebeldia. Passa longe da ação missionária. Os Espíritos superiores não desrespeitam as leis, embora possam contestá-las, empenhando-se em reformá-las.
O respeito às regras instituídas e aos desígnios divinos está perfeitamente caracterizado na recomendação de Jesus (Mateus, 22:21):
… Dai a César o que é de César, a Deus o que é de Deus.
• Parecem não se relacionar bem com pessoa alguma que não lhes seja igual. A escola normalmente é uma experiência difícil para eles, em termos sociais.
Sem sociabilidade um Espírito pode pontificar nas Artes, na Filosofia, na Ciência, mas jamais realizará algo de produtivo em se tratando de influenciar o comportamento humano, em favor de um mundo melhor.
Jesus revela a fórmula ideal de um relacionamento social perfeito. (Mateus, 22:39): … amarás o teu próximo como a ti mesmo.
• Frustram-se com sistemas ou tarefas que seguem rotinas ou situações repetitivas em que não possam usar a criatividade.
A vida é feita de rotinas em todos os setores da atividade humana e, sem a disciplina necessária para observá-las, fica difícil sustentar alguma estabilidade e contribuir para a melhoria das condições de vida na Terra.
Oportuno lembrar que a condição essencial enfatizada por Emmanuel, o mentor espiritual de Chico Xavier, para que a sua existência e particularmente a prática mediúnica fossem produtivas, foi a disciplina.
A indisciplina é própria da imaturidade humana, superada pelo crescimento emocional e espiritual, como destaca Paulo (I Coríntios, 13:11):
Quando eu era menino, falava como menino, pensava como menino, raciocinava como menino. Mas logo que cheguei a ser homem, acabei com as coisas de menino.
2 – Consta que há uma entrevista de Nancy Ann Tappe, cujo conteúdo é comprometedor para as crianças índigo. Eu diria que tem um conteúdo estarrecedor.
Diz ela:
Todas as crianças que mataram colegas da escola, ou os próprios pais com as quais pude ter contato, eram índigo.
O entrevistador parece concordar com ela.
Isso é interessante. Todas essas crianças que matam são índigos? Isso quer dizer que eles tinham uma visão clara de sua missão, mas algo entrou em seu caminho e elas quiseram se livrar do que imaginavam ser o obstáculo?
Resposta de Nancy: Trata-se de um novo conceito de sobrevivência. Todos nós possuíamos esse tipo de pensamento macabro quando crianças, mas tínhamos medo de colocá-lo em prática. Já os índigos não têm esse tipo de medo.
3 – É realmente incrível! Segundo a entrevistada, você, como eu e toda gente, quando crianças, tínhamos o impulso de matar quem se nos opusesse, e não o fizemos por medo.
Exatamente. E o índigo não tem medo. Por isso não se constrange em matar, sejam pais ou colegas de escola.
É uma lástima que haja gente aceitando essa insânia.
Segundo os autores do livro e pesquisadores citados, as crianças índigo costumam, não raro, ser rotuladas como portadoras de um dos dois problemas abaixo:
• DDA, Distúrbio de Deficiência de Atenção.
• TDAH, Transtorno de Deficiência de Atenção com Hiperatividade.
Crianças com deficiência de atenção têm dificuldade de concentração.
4 – Pelo que se sabe Crianças com defeito de atenção e hiperatividade, não param quietas, têm “bicho carpinteiro”, como diriam os pais. Seriam crianças problema, não crianças missionárias.
Exatamente. Isso dá para perceber, considerando algumas características, envolvendo esses dois déficits.
• Tem dificuldade em assistir uma aula, ler um livro, ouvir uma palestra. Comete erros por falta de atenção a detalhes.
• É desorganizado, tanto no pensamento como externamente, envolvendo horários, arrumação de objetos de uso pessoal, cumprimento de prazos, disciplina...
• Muda com facilidade de metas e planos. É comum ter mais de um casamento ou relacionamento estável.
Diz Nancy: Pelo que pude observar, 90% das crianças com menos de dez anos no mundo de hoje pertencem à categoria índigo.
5 – Dando crédito à sua estatística estará explicada a conturbação no Mundo, a dificuldade de relacionamento no lar, a indisciplina, os vícios, os crimes, o descalabro da sociedade…
E há no livro muitos exemplos desse tipo.
Crianças índigo que deram trabalho na infância e na adolescência e nenhum registro de alguma que pontificou na idade adulta como pioneiro de um mundo melhor.
6 – Você poderia citar um desses casos?
Sim. É bem ilustrativo o caso relatado no livro por uma mãe que se diz feliz ao tomar conhecimento das crianças índigo, porquanto seus filhos se enquadrariam nessa condição.
Num artigo transcrito no livro, com o título "Meus queridos índigos!", ela relata sua experiência com ambos, portadores um deles de DDA e outro de TDAH.
Para não nos estendermos, vamos falar apenas de Mark, perfil DDA.
O menino ia muito mal na escola. Não se relacionava com professores e colegas.
O mesmo problema no lar. Aos 15 anos pediu para morar na casa de um amigo.
Mark começou a agir de forma tão irregular que foi levado para uma instituição correcional de menores. Praticou vários delitos, dentre eles o roubo de carro do pai de um amigo. Mesmo depois de sair da instituição manteve um comportamento conturbado.
Certa feita, a mãe levou-lhe uma cesta de alimentos. Na casa onde Mark morava com alguns colegas, viu uma estátua de Jesus, no alto de uma escada. Havia sido roubada de uma igreja.
A mãe deu um prazo de 48 ao filho para que a estátua fosse devolvida. A orientação não foi observada. Depois de vários dias insistindo, telefonou à polícia. O menino foi conduzido à prisão. Como era menor, ficou preso por um ano.
Algum tempo depois Mark foi novamente preso por dirigir perigosamente, por excesso de velocidade, por fugir após causar um acidente e por multas não pagas.
Houve problemas semelhantes com o outro filho, Stuart.
Mas, aparentemente, após tantos trabalhos, ambos criaram juízo. Fala deles com orgulho. São, agora, pais de netos que fazem sua alegria.
Ela tem certeza (como toda a avó sobre as virtudes dos netos) de que são crianças muito especiais, índigos em sua opinião. A mesma, obviamente, dos autores do livro, porquanto transcreveram sua experiência.
7 – Ao que parece, analisando o assunto à luz da Doutrina Espírita, é que as crianças índigo são Espíritos dotados de alguma intelectualidade, mas com um descompasso entre a evolução mental e precário desenvolvimento moral.
Exatamente. Não constituem novidade. Desde sempre tivemos no Mundo gente assim. Espíritos que reencarnam com uma grande missão, não em relação à Humanidade, mas a si mesmos: a missão de se renovarem, de superarem suas mazelas e imperfeições, o que, de resto, é a finalidade precípua da existência humana.
A maior parte do conteúdo de Crianças Índigo relaciona-se com orientações para cuidar delas. Diga-se de passagem, são úteis no cuidado de qualquer criança.
Liberdade vigiada, diálogo, tolerância e muito amor.
8 – Há quem veja nas crianças índigo a nova geração a que se refere Allan Kardec, em "A Gênese", no capítulo 18.
Isso é lamentável. Basta evocar algumas características citadas pelo Codificador para desfazer esse engano.
Diz Kardec:
Para que na Terra sejam felizes os homens, preciso é que somente a povoem Espíritos bons, encarnados e desencarnados, que somente ao bem se dediquem.
Em cada criança que nascer, em vez de um Espírito atrasado e inclinado ao mal, que antes nela encarnaria, virá um Espírito mais adiantado e propenso ao bem.
Cabendo-lhe fundar a era do progresso moral, a nova geração se distingue por inteligência e razão geralmente precoces, juntas ao sentido inato do bem e a crenças espiritualistas, o que constitui sinal indubitável de certo grau de adiantamento anterior.
9 – Poderíamos situar essa nova geração como homens que se orientam pelo Bem, embora não sejam puros e perfeitos?
É o mais lógico. E Kardec nos dá algumas características de Espíritos dessa natureza, em O Evangelho segundo o Espiritismo, capítulo XVII.
Algumas delas:
O verdadeiro homem de bem é o que cumpre a lei de justiça, de amor e de caridade, na sua maior pureza. Se ele interroga a consciência sobre seus próprios atos, a si mesmo perguntará se violou essa lei, se não praticou o mal, se fez todo o bem que podia, se desprezou voluntariamente alguma ocasião de ser útil, se ninguém tem qualquer queixa dele; enfim, se fez a outrem tudo o que desejara lhe fizessem.
Deposita fé em Deus, na Sua bondade, na Sua justiça e na Sua sabedoria. Sabe que sem a Sua permissão nada acontece e se Lhe submete à vontade em todas as coisas.
Tem fé no futuro, razão por que coloca os bens espirituais acima dos bens temporais.
O homem de bem é bom, humano e benevolente para com todos, sem distinção de raças, nem de crenças, porque em todos os homens vê irmãos seus.
Respeita nos outros todas as convicções sinceras e não lança anátema aos que como ele não pensam.
...Estuda suas próprias imperfeições e trabalha incessantemente em combatê-las. Todos os esforços emprega para poder dizer, no dia seguinte, que alguma coisa traz em si de melhor do que na véspera.
Se a ordem social colocou sob o seu mando outros homens, trata-os com bondade e benevolência, porque são seus iguais perante Deus; usa da sua autoridade para lhes levantar o moral e não para esmagá-los com o seu orgulho. Evita tudo quanto lhes possa tornar mais penosa a posição subalterna em que se encontram.
O subordinado, de sua parte, compreende os deveres da posição que ocupa e se empenha em cumpri-los conscienciosamente...
10 – Dá para perceber que as crianças índigo não se enquadram nessas e em outras características do homem de Bem.
Sem dúvida, embora isso não constitua desdouro para elas, já que raras pessoas na Terra comportam-se assim.
Eu diria que as crianças índigo são Espíritos às voltas com sérios problemas relacionados com desvios do passado. Inteligentes, cultos, trazem complexos quadros de perturbação, a situá-los no limiar entre o Bem e o Mal, dependendo de suas escolhas e disposições, como de resto ocorre com todos nós, em maior ou menor intensidade.
11 – Diz Kardec, em "A Gênese", que a nova geração não se comporá exclusivamente de Espíritos eminentemente superiores, mas dos que, já tendo progredido, se acham predispostos a assimilar todas as idéias progressistas e aptos a secundar o movimento de regeneração.
Isso significa que não haverá uma revoada de anjos, estabelecendo maioria na Terra?
Sim. Seremos nós, encarnados e desencarnados, que comporemos a nova geração, à medida em que, conscientes de nossas responsabilidades, aprendermos a combater nossas imperfeições, ajustando-nos às leis divinas.
É a grande meta para todos nós, índigos ou não.
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