terça-feira, 25 de junho de 2013


OS INGLESES - ELES FORAM ANTES
Nós conhecemos Gary Foxcroft. O Gary é uma andorinha que faz verão, apesar de morar na gélida Grã-Bretanha. Gary é inglês e também samaritano. 
Foxcroft nasceu em Lancaster, Lancashire (Reino Unido) em 1979. Aos 22 anos, ingressou na Universidade de Derby para graduar-se em Estudos Sociais e Culturais. Dois anos depois, Gary resolveu fazer Pós-Graduação e seu trabalho de Mestrado o levou a pesquisar o modo de vida das comunida­des em volta das indústrias petrolíferas. 
O moço, então, viajou para o Delta do Rio Níger, de onde procede toda produção de petróleo nigeriano. Entre­tanto, suas pesquisas foram “des-encaminhadas” quando o jovem viu o que ninguém queria enxergar! Sim, o aca­dêmico inglês resolveu ser, sem o saber, a encarnação do personagem da parábola bíblica do Bom Samaritano*, na qual se distinguem duas categorias de reação humana: os que cruzam apressados as rotas das calamidades alheias sem se desviar de seu obstinado caminho; e aqueles que freiam os rumos da própria caminhada para dar novos destinos à jornada do próximo. 
* Evangelho segundo Lucas - capítulo 10.25-37
Ele viu grupos de crianças muito pequenas, algumas com 4 ou 5 anos, dormindo nas ruas – coisas que ingleses não
estão acostumados a ver! – Quando cheguei na Nigéria, eu ouvi estórias de crianças que vomitavam sapos ou se transformavam em bodes. Eu estava incrédulo. Mas quando iniciamos relacio­namento comunitário tivemos uma compreensão da profundi­dade da crença e da escala de abandono infantil resultante. De modo geral, podemos dizer que 95% das pessoas acreditam que crianças podem ser bruxas. Até juízes, executivos... governado­res, seja quem for, geralmente todos eles acreditam em bruxas infantis. As “crianças-bruxas” são torturadas de uma forma ou de outra. ... Num dia qualquer, elas estão no culto e o pastor aponta para algumas e diz que elas são bruxas. Daí, são man­tidas na igreja e obrigadas a ficar acordadas noite após noite, forçadas a beber poções que as libertarão dos espíritos maus. Às vezes, são encarceradas, espancadas e não recebem alimentos. Outras vezes, óleo quente é derramado sobre suas cabecinhas. 
Perplexo, Gary encontrou o professor Grace Udua, que ofereceu os terrenos de sua família para abrir uma escola para órfãos e crianças vítimas, caso o inglês desejasse fazê­-lo. O mestrando, então, prometeu voltar à Nigéria: Edu­cação e conscientização são as melhores maneiras de trabalhar­mos contra essas crenças. Estamos tentando fazer com que as pessoas reconheçam que uma criança que molha a cama não é uma bruxa; que epilepsia não é bruxaria; que (contaminação por) HIV não é bruxaria – é a convicção de Gary. 
Ao retornar à Inglaterra, Gary fundou a Stepping Stones Nigeria (SSN)19 em 2005; e, para “superar os obstáculos na Nigéria”, o estudante mobilizou várias escolas em Lancashi­re e Oxon em programas de arrecadação de verbas. 
Desse modo, até o final de 2006, Foxcroft já havia construído a Escola Infantil da SSN, um colégio-modelo. Eu mesmo estive lá. Ao chegar, fomos recebidos por me­ninos e meninas rebolando, com roupas típicas, as danças tribais de sua cultura. Nas salas de aula, vimos crianças com uniformes limpos cantando em francês para mim e para o Leonardo. Com “pompas de chefes de Estado” cumprimos uma agradável liturgia de discursos de boas­-vindas! A diretora, orgulhosa e extasiada, nos apresentou cada pedaço da estrutura física e do conteúdo pedagógi­co. A Escola da SSN está lá, tentando crescer onde nada cresce! Possui sala de informática com uns quatro compu­tadores, tem playground, campos de esporte e biblioteca. Ficamos tão felizes de ter visto aquele clarão de esperança no meio de tanta escuridão que nos comprometemos a franquear a dedicação em tempo integral dos docentes para fechar os buracos do conteúdo letivo, já que os edu­cadores precisam dedicar-se a outras atividades para com­plementar renda. Um professor infantil custa somente U$ 70,00 (não é erro de digitação não; setenta dólares dá ao alfabetizador condições de viver para a Escola!). 
Mas como Gary conseguiu? Ora, Foxcroft é inglês, mas não é “fresco”. Nunca se hospedou em hotéis caros e nem se deu ao luxo dos “brancos”, em gastos fúteis que tomariam do dinheiro doado porções que compromete­riam dezenas de outros projetos que a SSN possui para diminuir a vulnerabilidade das crianças de Akwa Ibom. Atualmente, o escritório da SSN na Nigéria, uma casa pequenina, trabalha com advogados que pressionam os parlamentares a tomar partido nessa guerra. Seu maior sucesso político veio em 2008 quando a legislação nige­riana reagiu às sucessivas campanhas da Stepping Stones e aprovou uma lei criminalizando a estigmatização de crianças como bruxas. 
Gary Foxcroft é inglês, mas não é um cara frio. É um jo­vem com sonhos que, algumas vezes, beiram a ingenuidade. Sim, não sabe que as centenas de denominações evangélicas são fragmentos autorregidos de uma Reforma extinta, e ra­ramente trabalham em unidade. E, quando o fazem, suas alianças são fragéis, desconfiadas, interesseiras, partidárias, e quase sempre acabam em divisão e rachaduras provenien­tes de ambições e ciúmes. Por isso, já sabemos que Gary terá dificuldades com um dos seus nobres objetivos: ...Es­tamos tentando trabalhar com as igrejas para regulamentar as atividades dos pastores. 
Gary Foxcroft é inglês e pensa que o mundo pensa como a Inglaterra e deseja, por meio da legislação, fazer com que (os clérigos) apliquem inteiramente o ato de direitos infan­tis, assegurando a proteção das crianças. 
Gary Foxcroft é inglês, um europeu secularizado sem tradição religiosa, e, por isso, não conhece os porões da de­cadência cristã. Fica confuso: Temos de separar as crenças dos atos, mas é muito difícil fazer isso. 
Gary Foxcroft é inglês, um gentleman de verdade: Com essa organização, não queremos demonizar as comunidades ou os grupos de fé. 
Mas, o moço também é obstinado: Estamos procurando fo­car no fato de que podem crer no que desejarem, desde que não comecem a banhar as crianças em ácido ou acendê-las em chamas. 
Gary Foxcroft não é cristão, mas sua Missão começou sem qualquer outra motivação senão a única que se divini­za: O Amor ao próximo!
Que lição. Uma andorinha não faz verão. Mas no verão, há muitas andorinhas! 
Nós também decidimos voar para lá! No verão de 2010...
Trecho do Diário Fotográfico "Missão Salvar Crianças Bruxas, pág.190

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