quinta-feira, 19 de julho de 2012

TODO MUNDO QUER PROPINA -WALCYR CARRASCO

Falamos muito de corrupção na política. Mas o "por fora" corre como sangue nas veias da sociedade brasileira. 
Tive uma amiga que foi diretora de uma fábrica de relógios populares. Durante uma pizza, me contou satisfeita:
- Conseguimos uma superencomenda de uma rede de supermercados.
Elogiei sua competência. Ela riu.
- E esperteza! ela disse.      
Depois me revelou que já conhecia o responsável pelas compras por meio de outra empresa onde trabalhara na área de vendas.
- Com ele tem jogo. Em um fim do ano, lhe demos um carro. Em outro, uma viagem ao exterior com toda a família. Agora foi só chegar e dizer: vamos fazer um joguinho?
Fiquei pasmado. Sempre trabalhei como jornalista e escritor. Nunca como executivo de uma fábrica.Conversando mais um pouco, descobri que é "normal" que responsáveis por compras recebam um "por fora".
Não tenho estatísticas. Prefiro acreditar que há um grande número de profissionais honestos, que pensam somente no preço final para o consumidor. Mas a corrupção corrói o dia a dia.
Falamos muito de corrupção na política. Escândalos acontecem o tempo todo. Do suborno cotidiano mal se fala. É um "imposto" extra sobre o que pagamos em supermercados, lojas de rede... Direto, quando sugerido pelo funcionário. Indireto, se é estabelecido pelo responsável pelas compras ao escolher os fornecedores. Nesse último caso, seria ingenuidade achar que o valor da propina não       afeta o bolso do consumidor. Além de conviver com uma carga tributária altíssima, somos obrigados a suportar esse "imposto" extra.
É difícil não conviver com o banditismo entranhado no corpo da sociedade. Eu frequentava um restaurante luxuoso em São Paulo. Entregava o carro ao manobrista e ele me dava um recibo para pagar com a conta. Nas últimas vezes, pedi:
- Cadê o papelzinho?
- O senhor não precisa - disse o valet.
Claro que, ao sair, dei gorjeta. A situação se repetiu outras vezes. Então caiu minha ficha. O rapaz não me dava o recibo, para eu não pagar o estacionamento do restaurante e ele próprio embolsar a gorjeta. Eu o ajudava a roubar o restaurante!  Parei de frequentar o lugar. O que fazer quando eu quiser voltar? Brigar pelo recibo? É uma situação simples. Mas que demonstra como estamos cercados pela roubalheira.
Certa vez, em Santos, no litoral paulista, acompanhei um primo na visita a um amigo de férias na       praia. Para minha surpresa, meu primo quis finalizar a encomenda de uma carga de produtos químicos para a empresa onde o amigo era executivo. Acertaram a quantidade e o preço. E na frente da mulher, dos filhos e até de mim mesmo, que nem sequer o conhecia, o tal sujeito perguntou:
- E o meu?
Meu primo respondeu tranquilamente.
- Já está na conta: 30%.
Fiquei furioso por ser levado a testemunhar a situação. Mais tarde, reclamei com meu primo. Ele       disse:
- Se eu não fizer isso, não vendo nada. Todo mundo quer propina.
A corrupção corre como sangue nas veias da sociedade brasileira. No passado, o ministério e secretarias de Educação de cidades e Estados compravam livros e enviavam a escolas. Isso continua acontecendo. Mas criou-se também um "vale livro". Os responsáveis pelas escolas recebem uma determinada quantia em vales para comprar diretamente os títulos de sua preferência em feiras e salões literários. A ideia não poderia ser melhor, pois descentraliza a escolha.Pelo menos é o que eu achava. O responsável pelos estandes de uma grande livraria me contou que é comum
a exigência de um acordo. Quem vai fazer as compras exige um "por fora". Em troca, gasta tudo o que tem numa só livraria ou editora. É o cúmulo, disse.
Também quero frisar: a maioria das educadoras não faz isso. Tenho bastante intimidade com feiras e salões literários para garantir. Mas acontece. E a boa intenção da ideia vai para o lixo.
Há tanta corrupção que a gente nem tem mais consciência que é. Já vi cliente dar gorjeta ao açougueiro do supermercado para garantir um filé melhor. Tem quem dê gorjeta ao maître para furar a fila de espera do restaurante. Colunistas sociais espalhados pelo país elogiam quem dá presentes. Alguns médicos da rede pública pedem um extra para operar um necessitado. Tem até uma senha: PE E por aí vai.
Faço um esforço diário para evitar esse mundo onde ter vantagem é tudo. Só vejo uma saída: denunciar os safados a quem de direito. Tolerância zero para a corrupção! Mesmo que o corrupto seja aquele vizinho tão simpático.

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